quinta-feira, 23 de junho de 2022

Desafetação de Área Verde é Ilegal e CEA Propõe Debate no COMDEMA

 


Passamos por momentos significativos para a politica ambiental global e local. São cinco décadas de Estocolmo (Estocolmo+50) e três décadas da Rio 92 (Rio+30). Tempo também de mais alertas do movimento ecológico, de diagnósticos e prognósticos científicos sobre a crise climática e as ameaças globais, motivos suficiente para a razoabilidade nos levar a já termos politicas ambientais mais democráticas e protetivas, tanto nos municípios, nos estados como no governo federal. Contudo, não é assim. Suportamos um tempo de tragédia ambiental e humana. Um tempo que parece estar tudo ou quase tudo ao contrário do que estabelece a Constituição e a lei ambiental. E o que ainda não esta do avesso, esta sob ameaça de ficar.

Isso vem se tornando cada vez mais explicito desde a indignante frase, de repercussão internacional, naquela reunião ministerial antirrepublicana, em plena pandemia, quando do ex-ministro do meio ambiente (réu em processos ambientais), instigou a “passar a boiada”, aproveitando a tragédia mundial em curso para tanto, ou seja, flexibilizar a lei ambiental e promover retrocessos ambientais por todo o Brasil, enquanto as pessoas morriam de Covid.

Nesse cenário, ainda que o Supremo Tribunal Federal (STF) e, menos, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), estejam contrariando esse disparate, como faz o movimento ecológico há décadas, a maioria dos governos estaduais e municipais, de linha ideológica liberal e neoliberal, tem justamente aproveitado a pandemia para “passar a boiada”. Exemplos não faltam, especialmente no RS:

- Desmonte do Código Estadual de Meio Ambiente – CEMA/RS;

- Privatização de Unidades de Conservação estaduais;

- Liberação de agrotóxicos, inclusive os proibidos nos países de origem;

- Extinção de órgãos ambientais;

- Ataque a democracia no CONSEMA;

Rio Grande, cujo atual prefeito votou pelo desmonte do CEMA/RS quando Deputado Estadual, ainda é uma cidade carente sobre dados e estudos em relação à área verde e arborização, visualmente deficitárias, apesar da atual gestão da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) resistir a tal reconhecimento, como na Reunião Ordinária do COMDEMA, em maio. Mas, o que é notório, dispensa comprovação.

Contudo, informações existem, ainda que não sistematizadas, o que deveria ser objeto tanto do órgão ambiental e da ciência, bem como a produção de novos dados e estudos. É o caso da Revista de Arquitetura e Urbanismo Projectare, no. 12, de dezembro de 2021, publicada pelo Laboratório de Urbanismo (LabUrb) e pelo Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo (PROGRAU) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAUrb) da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/Projectare.

O tema também aparece, sem destaque e/ou profundidade que a realidade exige, no II Plano Ambiental (PLAM) de Rio Grande, recentemente aprovado, apesar de existirem questões ainda carentes de clareza e providências. Segundo o II PLAM, para os moradores do Bairro Centro há “necessidade do aumento e manutenção de áreas verdes, ampliando a arborização urbana e a qualidade de vida da população”, realidade que solta aos olhos. Não é diferente para os moradores dos bairros São Miguel, Junção, Vila São João e Hidráulica, que apontaram a necessidade de “construção de praças e áreas verdes”. Nos Bairros Castelo I, Santa Rosa e Cidade de Águeda, “foi sugerido também uma ampliação de áreas verdes e parques urbanos, com o plantio de árvores frutíferas. Segundo os moradores existem muitas árvores plantadas sem critério de localização e escolha das espécies”. Mesmo em bairros visivelmente menos urbanos (Vila da Quinta, Povo Novo Cassino, Querência e Parque-Guanabara, Bolaxa e Senandes) as áreas verdes também aparecem como uma preocupação, conforme o II PLAM, o qual, contudo, não apontou, ações, metas e ou prazos para qualificar e/ou ampliar os espaços verdes e a arborização urbana.

Tanto o estudo cientifico, como a manifestação dos moradores são convergentes com as preocupações do CEA, no sentido da necessidade e obrigação legal de se cuidar da arborização urbana e combater o visível déficit. Negacionismos ideológicos não se sustentam diante dos fatos.

A qualidade da arborização urbana poderia (deveria) ser melhor se algumas áreas verdes municipais, bens de uso comum do povo, já implantadas recebessem melhorias e, se as ainda não implantadas, hoje terrenos vazios (que servem como reservas urbanas ou mesmo áreas de especulação), assim o fossem, como exige a lei.

Estocolmo é uma referência mundial, com 86 metros quadrados de área verde por habitante. A quantidade mínima preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de 12 m² de área verde por habitante. O ideal é de 36 m², cerca de três árvores por morador. Qual será o índice de Rio Grande? Já seria muito bom se fosse 1 árvore, 1 habitante.

O IBGE (2010) afirma que 65 % das vias públicas da cidade são arborizadas, o que coloca o município no 11º lugar, na região geográfica imediata (entre 17 municípios); no 369º entre os 497 municípios do RS e 3409º entre os 5570 municípios brasileiros, posições abaixo da média regional, estadual e nacional.

As áreas verdes publicas são obrigatórias por força de lei, sendo um meio de compensação pelo processo de urbanização, o qual, em grande medida, é a negação do natural. Para existir cidade é necessário substituir a natureza. Tais áreas, protegidas por lei, não podem ter seus usos desviados para outros fins. Por exemplo, a lei não permite que sejam alienadas, privatizadas e/ou desafetadas. Uma vez legalmente área verde, deve permanecer área verde.

A desafetação é uma ilegalidade, seja a titulo que for, mesmo pelo alegado suposto “interesse público”. É um ato em desconformidade com a moralidade administrativa, inconstitucional, pois, entre outros ataques a Constituição, deixa de defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado (artigo 225 da CF/88).

Assim, o município não pode dispor desses espaços, pois não é seu proprietário, mas sim seu guardião/gestor, para a fruição da população e equilíbrio ambiental. Se assim agisse, na pratica se transforma em loteador, confiscando tais áreas publicas que recebeu para cuidar e para uma finalidade determinada, posteriormente destinando-as para outros fins.

Além do mais, a desafetação viola também o Princípio da Proibição de Retrocesso, o qual estabelece que os avanços urbanístico-ambientais já conquistados não podem ser atacados ou negados.

Assim se pronunciou o STJ:

“Assim, os bens de uso comum do povo possuem função "ut universi". Constituem um patrimônio social comunitário, um acervo colocado à disposição de todos. Nesse sentido, a desafetação desse patrimônio prejudicaria toda uma comunidade de pessoas, indeterminadas e indefinidas, diminuindo a qualidade de vida do grupo. Não me parece razoável que a própria Administração diminua sensivelmente o patrimônio social da comunidade. Incorre em falácia pensar que a Administração onipotentemente possa fazer, sob a capa da discricionariedade, atos vedados ao particular, se a própria lei impõe a tutela desses interesses.” Ministro Adhemar Maciel/STJ

Contudo, o Poder Público Municipal vem desafetando, suprimindo, total e/ou parcialmente, áreas verdes em vários locais da cidade (Senandes, Centro e Cassino) e com o agravante de não existir debate no COMDEMA, o qual também não foi informado, nem previa e nem mesmo posteriormente sobre tais atos administrativos, em que pese o Conselho ser órgão colegiado, de função deliberativa, normativa e fiscalizadora, instância superior do Sistema Municipal de Política Ambiental, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Diante desses fatos e da lei ambiental vigente, o CEA requereu, como seu direito/dever, que o tema fosse pautado no COMDEMA para debates e deliberações, tendo em vista sua finalidade primeira: a DEFESA DO MEIO AMBIENTE, natural ou urbano. Para tanto, seus integrantes têm por direito/dever de, entre suas atribuições, “fiscalizar o Poder Público Municipal na execução da política ambiental” (II - art. 3, da Lei 5.463/00).

O CEA igualmente buscou, junto a SMMA, esclarecimentos sobre tais fatos (que não obteve até o momento da referida RO do COMDEMA e nem na reunião) além de propor por mail, como de praxe, na condição de ocupante de um assento no Conselho, que o mesmo recebesse informações do governo local sobre o tema, como garante a lei vigente: "O Poder Público Municipal deverá prestar informações relativas a qualidade ambiental, bem como o resultado das análises efetuadas e sua fundamentação, obrigando-se a produzi-las quando inexistentes, sempre que solicitadas por qualquer cidadão." (Artigo 5º, da Lei 5.463, de 29 de novembro de 2000)



Cabe lembrar, que o COMDEMA vem tratando de áreas verdes urbanas, como foi o caso da RO de abril e maio de 2022, quando voltou a analisar, após anos, o possível Parque Urbano do Arroio Vieira.

Inesperada e indignantemente, a proposta do CEA, legal e legitima, foi atacada por um conselheiro, de forma a lembrar um ato de censura, conduta que contraria frontalmente as leis vigentes e a democracia assegurada pela Constituição. Não cabe confundir o debate de mérito dos temas em pauta e/ou propostos, assegurado pelo Regimento e pela lei, com o julgamento ético/moral da proposta e/ou de quem a faz, o que não é coberto pela legalidade. A oposição à uma proposta se faz por argumentos de méritos (legais, técnicos, políticos...) e por votação contraria e não por julgamentos, sem base moral e legal e/ou tentativas de calar quem pensa diferente.

Importa registrar que o CEA não lembra que tenha ocorrido, desde a reestruturação desse colegiado ambiental, fato semelhante entre outros integrantes.

Negar o debate não colabora para qualificar e ampliar as áreas verdes, fundamentais para diminuir o impacto do urbano sobre os ecossistemas e a vida das pessoas, mas ajuda, muito, ao governo municipal, em escapar da fiscalização do COMDEMA, uma de suas finalidades legais, portanto irrenunciável e, dessa forma, não subjugada à lista de desejos individuais de cada conselheiro.


Camping no Balneario do Cassino, cedida a fins privados pelo governo municipal, a qual deixará de cumprir suas atuais funções eoclogicas e socias. Fará falta como importante área de lazer pública. Foto:CEA.



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